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As coisas têm de mudar

O cuidado da casa comum, não é, não pode ser, uma questão de moda, ou mesmo de oportunidade, é algo de bastante mais profundo, no qual se joga, não tenhamos medo de o afirmar, muito do futuro da nossa humanidade e, também, muita da credibilidade das nossas comunidades cristãs.

As coisas têm de mudar
Juan Ambrosio
12 de maio de 2021

Sob o tema «sabemos que as coisas podem mudar» vai decorrer, de 16 a 25 de maio, a Semana Laudato Si’, com que se encerra a celebração do ano especial dedicado a refletir, aprofundar e responder aos desafios e interpelações deixados por esta Encíclica. Na convocatória desta semana, o papa Francisco renova o chamamento a responder à crise ecológica, pois o grito da terra e os gritos dos pobres já não podem esperar mais por uma resposta, sendo necessário e urgente cuidarmos da criação, dom do nosso bom Deus.

Esta será, certamente, uma boa ocasião para renovarmos a nossa atenção e intensificarmos os nossos esforços pelo cuidado da casa comum, concluindo, assim, com chave de ouro, a celebração deste ano. Mas terminada esta celebração fica a pergunta à qual não podemos deixar de responder: e depois?
Sim, o ano especial termina, mas os desafios que ele nos ajudou a identificar com mais precisão continuam aí, a exigir da nossa parte uma resposta e uma mudança radical de estilos de vida, quer do ponto de vista individual, quer do ponto de vista das comunidades. A este respeito não podem restar dúvidas, o cuidado da casa comum, não é, não pode ser, uma questão de moda, ou mesmo de oportunidade, é algo de bastante mais profundo, no qual se joga, não tenhamos medo de o afirmar, muito do futuro da nossa humanidade e, também, muita da credibilidade das nossas comunidades cristãs.

A tentação de passarmos para outra moda está bem presente, quando somos agora convocados a celebrar o ano Família Amoris Laetitia (por ocasião do 5.º aniversário da Exortação), ou o ano de São José (por ocasião do 150.º aniversário da declaração de São José como Padroeiro da Igreja Universal). Se não tivermos a clarividência de ousarmos um olhar global, corremos o risco de não perceber que todos estes acontecimentos concorrem para o mesmo fim, tendo de ser integrados naquilo a que me tenho habituado a chamar o ‘ecossistema de Francisco’, e que de um modo muito breve aqui partilho.

Dois me parecem ser os pilares fundamentais desse ecossistema. O primeiro reconheço-o naquele texto programático - Exortação Evangelii Gaudium (2013) - com o qual , no início do pontificado, Francisco se dirige aos fieis cristãos convidando-os para uma nova etapa evangelizadora, marcada pela alegria do Evangelho, e indica quais os caminhos que, no seu discernimento, a Igreja é chamada a percorrer. Todos temos bem presente, ou pelo menos deveríamos ter, o perfil de Igreja aí proposto. Uma Igreja missionária, em saída, atenta a todas as periferias humanas, sejam elas geográficas ou existenciais. Uma Igreja renovada, pensando-se e estruturando-se a partir da sua missão. Uma Igreja que não pode ser auto referencial, e que se tem de constituir sinodalmente, como uma comunidade ao serviço do projeto de Deus para toda a humanidade.

O segundo pilar, identifico-o exatamente neste texto que fomos refletindo, aprofundando e concretizando ao longo deste ano - Encíclica Laudato Si’ (2015) - com o qual o papa Francisco pretende entrar em diálogo com todos, propondo uma ecologia integral que seja capaz de nos despertar para o cuidado terra, esta irmã que clama, juntamente com os pobres, contra todo o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus colocou nela.

Olhando simultaneamente para estes dois pilares, julgo ser relativamente fácil entender qual a missão a que somos convocados como comunidade cristã e que formulo da seguinte maneira: uma Igreja renovada para cuidar melhor da casa comum.

Esta intuição parece-me confirmada por toda a dinâmica desenvolvida ao longo do Sínodo que se realizou em Roma de 6 a 27 de outubro de 2019, que concluiu com a elaboração de um Documento Final, cujo título me parece reforçar a linha de reflexão que aqui partilho: Amazónia: novos caminhos para a Igreja (pilar referido na Evangelii Gaudium) e para uma ecologia integral (pilar referido na laudato Si’).
Tendo bem presente o percurso realizado ao longo do Sínodo, o Papa escreve a Exortação Apostólica Querida Amazónia (2020) na qual partilha quatro sonhos, que me ajudam a perceber ainda melhor o verdadeiro alcance do ‘ecossistema de Francisco’.
- Sonho com uma Amazónia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida.
- Sonho com uma Amazónia que preserve a riqueza cultural que a carateriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana.
- Sonho com uma Amazónia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas.
- Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazónia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazónicos.” (cf. QA 7)

Se fizermos o exercício simples de substituir a palavra «Amazónia», pelas palavras «Igreja» e «Mundo», dar-nos-emos conta de que em nada os sonhos se veem alterados. Na verdade, parecem-me apontar, com clareza, a missão para a qual a Igreja é convocada no seu exercício de renovação para cuidar melhor da casa comum.

Tudo isto se torna para mim ainda mais evidente, quando no n.º 8 o da Encíclica Fratelli Tutti (2020) Francisco, de novo, alude ao sonho, declinando-o agora da seguinte maneira:
“Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade. Entre todos: «Aqui está um ótimo segredo para sonhar e tornar a nossa vida uma bela aventura. Ninguém pode enfrentar a vida isoladamente […] é juntos que se constroem os sonhos. Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos.”

Esta parece-me ser a verdadeira amplitude da tarefa a que somos convocados, não só como membros de uma mesma família humana, habitando uma mesma casa comum, mas também enquanto cristãos. Atrevo-me mesmo a dizer que esta amplitude deve ser critério para aferir a fidelidade e a verdade da nossa fé.

No início destas linhas formulava uma pergunta: e depois? Respondo agora, dizendo que este é o tempo propício e oportuno para nos deixarmos guiar pelo horizonte que o sonho nos indica. Este é o tempo, pois:
“O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona, nunca recua no seu projecto de amor, nem Se arrepende de nos ter criado. A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum.” (LS 13)

Não tenhamos dúvidas. As coisas podem mudar. Têm mesmo de mudar!

Mesa Redonda
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