A liderança que nos pede Francisco e que o mundo clama
A reflexão de hoje centra-se no chamamento à Liderança e ao Amor que nos toca a cada um, hoje. Um chamamento que o Papa Francisco brada aos nossos corações quando nos convida, na Laudato Si, a «contemplar o mundo», na Fratelli tutti, a «amar o próximo», na Evangelii Gaudium a «arrebatar as portas da Igreja para sairmos para o mundo!
Filipa Almeida
09 de junho de 2021
Se a Liderança fosse fácil não era para todos.
Assim como a Santidade, se fosse fácil, não seria para todos.
A verdade é que a dignidade humana nos chama sempre aos palcos da auto-superação, não nos deixa descansar no egoísmo, mas no Amor, não dos dá paz na quietude, mas na luta. Não será, portanto, descabido concluirmos que ser humano é uma tarefa heróica, que sempre e invariavelmente nos chama ao Alto, o único sítio onde verdadeiramente nos encontramos.
Uma vez ouvi: «O Santo não é mais do que um pecador que não desiste». Talvez o líder não seja mais do que o companheiro que não se cansa de servir, mesmo que por vezes lhe falte humildade, a generosidade e a magnanimidade. Não haverá, no entanto, forma mais feliz de viver do que como líder, tal como não há forma mais feliz de morrer de que como Santo.
A reflexão de hoje centra-se no chamamento à Liderança e ao Amor que nos toca a cada um, hoje. Um chamamento que o Papa Francisco brada aos nossos corações quando nos convida, na Laudato Si, a «contemplar o mundo», na Fratelli tutti, a «amar o próximo», na Evangelii Gaudium a «arrebatar as portas da Igreja para sairmos para o mundo! É este o chamamento que Francisco não se cansa de nos fazer: o mesmo que Deus dirige a Francisco de Assis quando nele inculca o amor à criação, o amor ao irmão, a destreza para erguer dos escombros uma nova Igreja.
Esta missão de Francisco exige sentido de liderança e serviço fraternal, sem o qual a vida na Terra se tornaria insuportável. Espelho disso é a época em que vivemos: onde arriscamos a maior desigualdade social da história da humanidade e onde ameaçamos os equilíbrios ecológicos, a ponto de colocar em jogo a nossa sobrevivência no planeta ainda durante a presente geração. Uma fatalidade que nunca se colocaria se Adão ouvisse então a missão de Deus no paraíso: «Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a! Dominai sobre os peixes do mar, sobre os pássaros do céu e sobre todos os animais que se movem sobre a terra.» (Gén. 1:28). Esta missão de Deus exigia do homem arriscar liderar o seu destino, servindo o mundo (que se espelha no conceito de “dominar” apresentado no Génesis). Talvez o mais humano deste episódio seja a subsequente ambição de Eva que levou à destruição do Paraíso e ao crime de morte de Caim sobre Abel. Mas o Deus, que não desiste de nós, é o mesmo que salva José das mãos dos seus irmãos, que poupa Isac da mão de Abraão, que aposta num Rei David que peca, mas que também ama sem medida. O Deus que liberta o Povo do Egipto e, que no meio de um Império de guerras e de subjugações, nos envia Cristo, Aquele que encarna o Amor e nos diz: «Levanta-te e segue-me!» (Mt 9, 9-13)
Há nestes episódios uma ambivalência fantástica que sempre me alegra relembrar: a possibilidade de sermos apenas o que sonhamos, ou o que Deus sonhou para nós! A primeira terá eventualmente conduzido o mundo ao estado atual, em que se vislumbram calamidades sociais e humanas, emergência climática e uma agitação humana enfatizada por um mundo despido de referências. A segunda, abre a possibilidade de viver à sua imagem e semelhança, tal como nos criou, e segundo a chamada que o Papa nos lembra. É aqui que reside a chamada à Liderança, como serviço, movida pelo Amor.
É também para este paradoxo que nos alerta Viktor Frankl, um dos mais proemeninentes pensadores do século XX, quando nos diz: “Se considerarmos o homem como ele realmente é, torná-lo-emos pior. Mas se o sobreestimarmos, vamos torná-lo naquele em que ele realmente pode ser”. E esta não é mais do que a dualidade em que reside a nossa humanidade: no diálogo constante e intemporal entre a Liderança e Mediocridade, entre o que somos como adquirido e aquilo que podemos ser se o sentido da vida estiver além de nós. Esta última diferença joga-se entre o Amor e a Indiferença pelo mundo. Uma escolha inevitável para qualquer ser humano, em todos os momentos da sua vida.
Alicerçado sobre esta verdade, e sabendo que as nossas escolhas individuais têm, na verdade, o poder de mudar o mundo, o Papa chamou um conjunto de jovens a Assis em março de 2020(1) . O seu objectivo era debater a condição do mundo, com as gerações capazes de pensar o futuro, numa economia que teima em crescer de forma exponencial dentro de um planeta limitado e com recursos finitos. Numa economia que mata, quando deveria almejar ao destino fraternal e universal dos bens.
A Economia de Francisco, inspirada no Santo de Assis, é portanto um chamamento a todos, iniciado nos jovens. É um convite à conversão ecológica e integral de cada pessoa que não se cuaduna com ambientalismos ocos mas que responde ao apelo inicial de Deus ao primeiro homem e à primeira mulher: “enchei e cuidai da terra”. A verdade sobre tudo isto reside nas palavras com que Francisco responde a Deus: Laudato si Mi Signore! Louvado Sejas meu Senhor, pela irmã Terra e tudo o que nela habita. Esta indissociabilidade entre o que é terreno e o que é divino é central para a história do mundo onde vivemos, e para a santidade de cada um. É o desprezo pela integralidade e pela dignidade da vida na terra que nos trará a maior de todas as pandemias: a indiferença. E, enquanto não houver tal consciência, este poderá ser o maior farisaísmo dos tempos correntes.
O apelo do Papa é, pois, este: que saibamos ser líderes dos tempos correntes. Vivendo com espírito de serviço e de missão, inspirados pelo Amor mais profundo: o de Deus à Criação. Que além de cuidar dos outros, saibamos cuidar do mundo e tenhamos responsabilidade de abrir as portas da nossa vida para que a nossa Luz irradie para todos os que vivem na nossa mesma Casa Comum. O Santo dos tempos modernos tem em si o desafio de viver esta exigência de uma integralidade ecológica, que faz também parte da nossa história de salvação. É neste sentido que o Papa Francisco, na sua Carta de chamamento à Economia de Francisco, nos lembra que a mudança para um mundo mais humano e respeitador da criação parte de cada um de nós: “Como eu vos disse no Panamá e escrevi na Exortação Apostólica pós-sinodal Christus vivit: Por favor, não deixeis para outros o ser protagonista da mudança! Vós sois aqueles que detêm o futuro! Através de vós, entra o futuro no mundo. […] [T]rabalhai por um mundo melhor […] assumindo um compromisso individual e coletivo para cultivarmos juntos o sinal de um novo humanismo que corresponda às expetativas do homem e ao desígnio de Deus”. Que saibamos viver, hoje, segundo estes desígnios de Francisco e liderar o futuro que Deus nos pede.