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«SOMOS TODOS CAPITÃES»

O 25 de Abril e a Democracia Portuguesa

O Socialismo humanista de Jacques Delors e de David Maria Sassoli como bússola para a Europa do futuro

O que hoje parece ter-lhes caído do céu, que tendem a olhar como natural, e até como se fizesse parte das obrigações contratuais da sociedade ao recebê-los neste mundo, é na verdade fruto de muita luta, de visão e de coragem política de homens como Delors

O Socialismo humanista de Jacques Delors e de David Maria Sassoli como bússola para a Europa do futuro

Isabel Estrada Carvalhais

Em 2022, partia prematuramente David Maria Sassoli. No momento da sua partida ninguém hesitou em defini-lo como um Homem Bom, apaixonado pelo projeto europeu e que se emocionava quando nos falava da importância de manter a Europa como um farol. Um farol de valores humanistas, um farol de esperança para um mundo cada vez mais violento, para um tempo cada vez mais inquieto. Mais recentemente, no final de dezembro de 2023, deixou-nos um outro homem que teve a felicidade de uma vida bem mais longa, Jacques Delors.

De tempos diferentes, é certo, partilharam contudo o que marcou na sua essência a sua identidade política e cívica: ambos foram socialistas, europeístas, católicos; ambos foram profundamente marcados por uma visão humanista, solidária; e ambos foram marcados pelo sentido de coerência da ação (uma ação em que o diálogo e a busca de consensos tiveram sempre um papel central) quanto ao modo de procurar materializar essa identidade, ao modo claro de ler os tempos e de procurar ver mais além das incertezas, dos obstáculos e do cinismo da Realpolitik.

Num dos seus últimos discursos (em dezembro de 2021), Sassoli referiu-se à necessidade de reinventarmos a Europa como uma Europa farol, uma Europa de esperança. O seu último apelo foi, pois, no sentido de não termos medo de ter visão, uma visão inovadora, antecipadora do futuro para a ele chegarmos mais preparados, mais unidos e mais fortes.

Ora, se houve homem que soube ter visão sobre o futuro da Europa foi Jacques Delors. Recordo aqui, de forma muito sumária, que foi sob a batuta deste mestre que se deram passos essenciais ao projeto europeu tal como hoje o (re)conhecemos. Logo em 1988, por exemplo, foi com Delors que se lançou a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, percursora em larga medida da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que surgiria 12 anos mais tarde, com o Conselho Europeu de Nice de 2000. E aqui é bem claro o compromisso que Delors sempre teve como socialista na defesa dos direitos dos trabalhadores, facto bem reconhecido aliás pelos atores sindicais com quem sempre cultivou o diálogo numa relação de absoluto respeito mútuo.

Também com Delors à frente da Comissão Europeia, tivemos o Ato Único (assinado em 1986 e em vigor em 1987) que veio alterar os tratados de Roma; a criação do Mercado Único Europeu (1993); a conclusão do processo de adesão de Portugal e de Espanha (assinado em 1985); o início dos processos negociais com vista ao alargamento aos países de Leste, perante a inevitabilidade de reequacionar a geopolítica europeia, no seguimento da queda do Muro de Berlim. Só para citar alguns exemplos.

E como homem de visão, Delors percebia que não bastava ter valores. Era preciso saber como defendê-los. O ‘como fazer’ nunca é aliás despiciendo na política, como na vida, porque é nele que se manifesta verdadeiramente tanto o carácter da pessoa e a força das suas convicções, como a tão necessária capacidade de criar caminhos de futuro. Por isso, Delors percebeu que a par dos alargamentos, era importante não esquecer o aprofundamento do projeto europeu. E assim, assistimos também ao início da União Económica e Monetária e à consagração da Cidadania Europeia no Tratado de Maastricht de 1993. Foi também neste tratado que se introduziu algo fundamental para o aprofundamento do projeto: o estabelecimento do procedimento colegislativo que finalmente conferiu verdadeira autoridade legislativa ao Parlamento Europeu e que depois conheceria maiores desenvolvimentos com o Tratado de Lisboa.

Delors era um homem do seu tempo, e soube fazer a correta leitura desse tempo: compreendeu o cenário internacional que então enfrentava uma profunda alteração da balança de poder com o fim da guerra fria; compreendeu que o alargamento da UE era necessário, mas também teria de ser indissociável de um aprofundar da democracia europeia, que incluísse mais participação do cidadão, e mais atenção à dimensão social da vida das pessoas. Enquanto socialista, Jacques Delors percebeu que tanto o alargamento como o aprofundamento do projeto europeu não poderiam dissociar-se de um igual esforço para tentar corrigir as disparidades sociais e económicas entre regiões e entre países, e também por isso foi dada particular relevância aos instrumentos da Política de Coesão.

Quis aqui recordar sumariamente a visão extraordinária de Jacques Delors, um grande socialista que impulsionou e criou em boa parte a Europa que hoje conhecemos e que permite aos nossos jovens votar no próximo dia 9 de junho, porque é fundamental que os nossos jovens tenham consciência clara deste legado. O que hoje parece ter-lhes caído do céu, que tendem a olhar como natural, e até como se fizesse parte das obrigações contratuais da sociedade ao recebê-los neste mundo, é na verdade fruto de muita luta, de visão e de coragem política de homens como Delors.

De facto, para que uma Europa progressista possa existir, é preciso lutar por ela, é preciso protegê-la das tentações nacionalistas que só diminuem a sua relevância geopolítica; é preciso protegê-la das visões misóginas, homofóbicas, xenófobas, racistas, classistas, antissemitas, islamofóbicas, disfarçadas de “nova moral”, mas que só acicatam conflitos sociais e atentam contra o espírito humanista e até mesmo, devo dizê-lo, contra o espírito cristão.

Um dia, Jacques Delors afirmou: “A Europa é, antes de tudo, uma aventura humana.” E de facto, nada se concretiza neste projeto que não passe pela vontade dos povos, pela vontade dos governantes, mas também e sobretudo pela vontade dos seus cidadãos, com todos os riscos e desafios que acompanham essas vontades!

A Europa será por isso o que cada um de nós, pela sua ação ou inação, permitir que ela seja. Se pouco fizermos, pouco ou nada dela teremos. E aqui dirijo-me sobretudo aos que ponderam não votar no próximo dia 9 de Junho e se abandonam a um misto de frustração e de desinteresse pela política europeia: a inação na forma de abstenção não é mera ausência, é antes conivência pura, mesmo que indireta, mesmo se indesejada, com todas as forças antidemocráticas que se batem pelo fim do projeto europeu. Essas forças têm rostos, têm nomes e têm partidos: são as forças, os rostos, os partidos da Extrema Direita, direta herdeira dos ideais fascistas e autoritários, por muito que agora tentem maquilhar a sua real identidade, tentem matizar a linguagem dos seus discursos, e procurem a sua subtil normalização no contexto democrático.

Nunca como hoje a União Europeia foi tão posta à prova e simultaneamente se revelou tão essencial ao nosso futuro coletivo.

Nunca como hoje foi tão importante o empenho de cada um de nós na identificação e condenação clara da extrema-direita na identificação do modo como está a ser ardilosamente legitimada dentro das esferas política, académica, empresarial, mediática, militar e judicial.

E por isso, nunca como hoje foi tão importante a nossa participação em defesa das políticas progressistas e humanistas que os Socialistas e Democratas têm ajudado a construir graças ao empenho da sua ação no Parlamento Europeu.

Eu acredito que a larga maioria dos cidadãos europeus deseja essa Europa Farol, essa Europa da Esperança e que no dia 9 de Junho saberá quais as forças que genuinamente podem prepará-la para um futuro cada vez mais complexo e exigente.

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