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«SOMOS TODOS CAPITÃES»

O 25 de Abril e a Democracia Portuguesa

A madrugada que eu esperava, três notas

O 25 de Abril foi, como escreveu Sophia de Mello Breyner Andresen “o dia inicial, inteiro e limpo” que permitiu, como previra José Medeiros Ferreira “democratizar, descolonizar, desenvolver”.

A madrugada que eu esperava, três notas

José Leitão

1. O 25 de Abri de 1974 foi o dia que mais marcou a minha vida, foi nas palavras de Sophia de Mello Breyner Andresen «a madrugada que eu esperava».

Se não tivesse ocorrido, tenho dúvidas de que não tivesse acabado por sair de Portugal.

Nascido em Viseu numa família católica e conservadora, tive o privilégio de ter tido professores excelentes no então Liceu Nacional de Viseu de que destaco o professor Osório Mateus. Com eles descobrimos a importância da Questão Coimbrã, de Antero de Quental, o teatro do CITAC (fazíamos excursões a Coimbra para assistir ao Ciclo de teatro), a música de Jacques Brel ou dos Beatles, mas também, no meu caso, a identificar católicos democratas e progressistas. Conservo dois livros que me deu, um de um escritor brasileiro e outro sobre os padres operários. Na sequência descobri O Tempo e o Modo, a Morais Editora e assinei aquele jornal cor-de-rosa, O Comércio do Funchal, e a revista Estudos do CADC.

Fui estudar para Coimbra ciente de que não podia perder a próxima Questão Coimbrã e ela veio, na forma da Crise Académica de 1969. Não hesitei. Apoiei as forças progressistas, votei a favor da greve aos exames. Participei num piquete de greve. Estive sete dias preso. Fui caucionado e mais tarde amnistiado. Como era novo e não tinha ido à inspeção militar, não fui de imediato incorporado e enviado para a guerra colonial como aconteceu com colegas mais velhos do que eu. Recordo tudo isto porque o 25 de Abril foi o coroar de toda uma mudança cultural e espiritual que teve na luta estudantil um elemento de consciencialização.

Toda a minha família continuou católica, mas passou a votar à esquerda. Recordo com ternura meu velho avô, José de Almeida, que percebeu melhor o que era o regime com a prisão do neto e votou, pela primeira vez, na oposição democrática em outubro de 1969.

2. No 25 de Abril de 1974, depois de uma militância ativa na JUC (Juventude Universitária Católica) graças à qual permaneci católico, já era militante do Partido Socialista de que fui membro fundador.

Foi com expetativa e crescente entusiasmo que acompanhei com muitos milhares de cidadãos o derrube da ditadura fascista, na Baixa e no Chiado.

Não posso esquecer o papel que o MFA (Movimento das Forças Armadas) teve no derrube da ditadura fascista, mas a participação popular foi essencial desde logo para a libertação de todos os presos políticos e para se avançar na consolidação da democracia e na descolonização.

O 25 de Abril foi, como escreveu Sophia de Mello Breyner Andresen “o dia inicial, inteiro e limpo” que permitiu, como previra José Medeiros Ferreira “democratizar, descolonizar, desenvolver”.

O Portugal de hoje é muito diferente do que era, é incomparavelmente mais desenvolvido e melhor do que era. Ganhámos liberdades e direitos que nos tornam livres face ao Estado, fomos construindo uma Segurança Social pública sustentável, um Estado Social, alargámos a rede da Escola Pública, incluindo Politécnicos e Universidades, criámos o Serviço Nacional de Saúde, erradicámos as barracas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, e estamos a avançar para um serviço nacional de habitação.

Hoje Portugal é uma democracia pluralista, uma Nação cosmopolita, com portugueses espalhados pelo mundo, mas simultaneamente um país de imigração.

Era um país triste, cinzento, fechado e preconceituoso, pese embora toda a abertura cultural e espiritual que germinava, apesar da censura e da repressão, hoje é um país que aprende a respeitar a diversidade e a diferença.

Não é um país orgulhosamente só, como dizia Salazar, é país que integra a União Europeia com relações com países de todo o mundo, que após ter posto fim à guerra colonial, procurou estabelecer laços de solidariedade e fraternidade com os novos estados soberanos no quadro da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa).

3. Apesar de tudo o que foi alcançado, que não devemos subestimar porque tudo resulta de muito esforço, inteligência, bom senso, bom governo e criatividade, nada apareceu feito, muito ainda para fazer para assegurar um desenvolvimento mais ambicioso e sustentável que dê resposta às necessidades e aspirações de todos os portugueses e de todos os residentes em Portugal.

Este vai ser um ano de escolhas decisivas e o resultado das escolhas vão depender também muito das opções dos cristãos.

O episcopado português, numa Carta Pastoral de abril de 1973 para comemorar o décimo aniversário da Pacem in Terris de João XXIII, reconheceu o pluralismo político dos católicos. A Igreja não se identifica com nenhum partido político, o que foi reafirmado após o 25 de Abril, mas isso torna mais exigente a opção de cada um de nós. Decerto que há critérios de avaliação individual, a exigência de integridade e recusa de corrupção, a recusa da mentira, em linguagem de hoje das fake news, como arma política, mas além disso, a Bíblia não é neutra e tem valores que devemos respeitar. A proteção dos pobres e dos fracos, a destinação universal dos bens, o respeito dos estrangeiros, hoje diremos dos imigrantes e refugiados.

Nada está definitivamente garantido nem no que se refere à democracia política e ao Estado Democrático de Direito, que construímos, nem no que se refere ao Estado Social. Podem e devem ser melhorados? Podem e devem, mas também podem ser radicalmente, ou de forma mais lenta e subtil, postos em causa.

A opção é nossa individual e coletivamente.

No que me diz respeito, tendo vivido de olhos abertos antes do 25 de Abril de 1974, visto a injustiça e opressão, continuarei a lutar por um país livre, cosmopolita, justo e pacífico para nele viver e para o deixar de herança aos meus netos.

Assim sejamos capazes disso!

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