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«SOMOS TODOS CAPITÃES»

O 25 de Abril e a Democracia Portuguesa

25 de Abril e a Democracia Portuguesa

Considero que, recordar o que muitas pessoas vivenciaram durante o período antes do 25 de abril de 1974, oferece novos elementos para uma reflexão que contribua para regenerar a nossa Democracia, que enfrenta grandes desafios nos dias de hoje.

25 de Abril e a Democracia Portuguesa

Romualda Nunes Fernandes

A manhã de 25 de Abril de 1974, não amanheceu como as restantes manhas anteriores de 74, por volta das 6h30, tomei conhecimento da Revolução em curso.

"Vamos mandar o Marcelo e o Tomás para umas férias na Madeira!" são palavras que ainda ecoam na minha memoria, foram proferidas por um grupo de militares acampados num quartel ali mesmo ao lado do Liceu Feminino Maria Amália Vaz de Carvalho, localizado na Rua Rodrigo da Fonseca, em Lisboa. Eu e uma colega tínhamos sido designadas, na qualidade de delegada e subdelegada de turma, para conseguir o adiamento de um teste escrito que teríamos nesse dia, às 11 horas. Tínhamos de falar com a professora antes da primeira aula, que normalmente começava às 7h30.

A nossa única preocupação era saber se não haveria aulas até ao meio-dia e assim escaparmos do teste. A resposta que obtivemos por parte dos militares, encheu-nos de júbilo e de alívio, o nosso objetivo tinha sido alcançado. Tínhamos recebido uma notícia histórica e não nos apercebemos dela.

Éramos finalistas do ensino secundário, equivalente ao 12º ano atualmente. Eu vivia em Lisboa com os meus pais há dois anos. Antes, tinha estudado durante cinco anos no Colégio Andaluz, em Santarém, fundado por Madre Luzia Andaluz, fundadora da Congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima. Não tinha qualquer experiência política, mas estava ciente das dificuldades e das vicissitudes que as pessoas enfrentavam.

Considero que, recordar o que muitas pessoas vivenciaram durante o período antes do 25 de abril de 1974, oferece novos elementos para uma reflexão que contribua para regenerar a nossa Democracia, que enfrenta grandes desafios nos dias de hoje.

O nosso regime democrático, devemo-lo à coragem e audácia dos militares do Movimento das Forças Armadas (MFA) que em abril de 1974 derrubou o regime opressor do Estado Novo. Foi através da ação de mulheres e homens, que desde então, e mesmo antes, em condições difíceis, souberam pensar e construir bases para a democracia pluralista e uma sociedade coesa em que hoje vivemos. O preço desta conquista foi alto, com milhares de vidas perdidas para que as palavras Liberdade, Democracia, Descolonização e Desenvolvimento ganhassem sentido nas nossas vidas.

A resolução do problema da Guerra colonial/Luta de Libertação Nacional
Os povos africanos, dos territórios que o Governo chamava "Províncias Ultramarinas" e que faziam parte de Portugal, considerados de "raça" inferior, na escala do racismo pseudocientífico, eram tratados sem dignidade. Eram-lhes negados os seus direitos fundamentais, especialmente o direito à autodeterminação sobre o seu território. Inconformados com esta situação, em 1961, iniciaram a Luta de Libertação Nacional. A maioria das antigas colónias em África já tinha alcançado a independência nos anos 50 e início de 60.
Perseguições políticas, prisões, torturas e até mortes de familiares são memórias que guardo do quotidiano desse tempo. Este era também o quotidiano de uma boa parte da população portuguesa no então chamado “Metrópole”. Era proibido falar sobre vários temas, principalmente sobre a política. A Censura Prévia de todos os meios de comunicação social e expressões culturais era a regra.

O sofrimento humano infligido aos jovens enviados para a guerra no ultramar era inqualificável. Sabe-se hoje que cerca de 9 mil perderam a vida e 30 mil ficaram feridos. Foram os militares que sofreram na pele todas as agruras da guerra, sabendo mais do que ninguém que não havia solução armada para essa guerra, que se organizaram em torno do Movimento das Forças Armadas e fizeram a Revolução de 25 de Abril de 1974.

Sete meses antes, tinha sido proclamada a independência unilateral da Guiné-Bissau, pelo PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), a 24 de setembro de 1973. Cerca de 80 países reconheceram imediatamente o Estado da Guiné-Bissau.

A Revolução dos Cravos foi e é, sem qualquer tipo de ambiguidade, a maior conquista do povo português do último século.

A liberdade conquistada com a revolução, criou as condições para que as conflitualidades políticas e sociais pudessem ser resolvidas pacificamente, através do diálogo. Este foi um passo fundamental para a resolução do problema da guerra colonial.

A criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que reúne Portugal, Brasil e os Países Africanos de expressão portuguesa, regida pelos princípios de igualdade soberana dos Estados-Membros, não ingerência nos assuntos internos de cada Estado e pelo primado da paz, entre outros, provou que era possível transformar um passado de guerra em futuro paz, bastando para tanto haver vontade política. Abriu-se um tempo novo de relação entre Portugal e as ex-colónias. Um tempo de união de esforços para enfrentar desafios comuns, promover o desenvolvimento económico e social, e fortalecer a língua portuguesa no mundo.

Dever de preservar as conquistas da Revolução dos Cravos:
A Revolução do 25 de abril de 1974, representou um marco indelével na história de Portugal. Ela não apenas mudou radicalmente o país, mas também plantou as sementes da Democracia e Liberdade que hoje desfrutamos.

Democracia, liberdade de expressão, igualdade de dignidade e oportunidade - direitos que hoje nos parecem inalienáveis - foram conquistados a duras penas, através de lutas e sacrifícios. A Revolução de Abril foi o culminar de um longo processo de contestação ao regime ditatorial que vigorava em Portugal desde 1933.

As derivas populistas que assistimos na Europa e em Portugal, o crescimento de partidos políticos extremistas, a ascensão de discursos de ódio contra minorias, racismo e intolerância, são sinais preocupantes que atacam o ideal de Democracia e de sociedade que norteou a Revolução dos Cravos.
Ainda há um longo caminho a percorrer. É preciso defender os valores conquistados em Abril, combatendo as tendências regressivas que ameaçam a nossa democracia e liberdade. Devemos estar atentos aos perigos que se avizinham e nunca deixar de lutar por uma sociedade mais justa, igualitária e tolerante.

A Revolução dos Cravos foi um momento de grande esperança e mudança. Cabe a nós, hoje, honrar a memória daqueles que lutaram pela liberdade e continuar a construir um Portugal melhor para todos.

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