REFLEXÃO DOMINICAL
XIII DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A
Sem deixar de ser quem sou, sou cada vez mais eu mesmo
A Palavra de Deus para este Domingo continua a revelar o discurso missionário de Jesus. Recordando a “frase chave” do Evangelho do Domingo anterior – «não tenhais medo» (Mt 10, 26-33) – Jesus convida-nos, hoje, a aprofundar uma das dimensões mais exigentes da vida cristã: «toma a tua cruz e segue-me» (Mt 10, 38). Com este convite aos discípulos, Jesus apresenta a vida cristã como um caminho de conversão permanente, feito de renúncia e conquista, a partir da experiência de sermos amados por Deus.
Lendo o Evangelho (Mt 10, 37-42), confrontamo-nos com palavras exigentes para um tempo exigente que, juntamente com as outras leituras (primeira e segunda leitura), nos podem ajudar a reler o dinamismo da conversão na nossa vida. Partindo de duas frases de Jesus, proponho 7 palavras para identificar este dinamismo:
- Quem encontrar a sua vida há-de perdê-la; e quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la: quer seja pessoal (escola, trabalho, família), quer seja socialmente (em tempo de pandemia, abdicamos da liberdade em função do direito da vida, por exemplo), todos os dias renunciamos a algo. Mas, e ainda que por vezes inconscientemente, fazêmo-lo porque acreditamos que estamos a “escolher a melhor parte” e a tomar “as melhores decisões”. Não esquecemos que nem sempre é fácil, nem sempre se acerta e, muitas vezes, só mesmo a coragem permitiu que se ultrapasse a dúvida quando foi necessário tomar decisões, pois estava em causa dar resposta à nossa vontade de felicidade e realização. É precisamente nesta busca de felicidade que se enquadra o convite de Jesus a tomar a nossa cruz e a segui-l’O. O gesto de carregar a própria cruz leva-nos a descobrir a vocação, aceitando a nossa história como caminho de conversão e crescimento, e a entrar num dinamismo que gera liberdade, fomenta relações e sustenta a comunhão. Sem esta experiência da cruz, não passaremos de indivíduos que se contentam com o ter, com a posse e com o relativismo, seja de coisas ou pessoas.
- Quem vos recebe, a Mim recebe; e quem Me recebe, recebe Aquele que Me enviou: a nossa natureza é relacional e apenas se realiza na relação. O batizado, de modo especial, sabe que a sua vida está enraizada na comunhão com a Santíssima Trindade, Deus Amor. Neste sentido, é importante ter presente a missão, segundo a qual, o contributo do batizado, enquanto cidadão, para o cuidado da sociedade se realiza na medida em que Deus se revela através da sua presença. Mais uma vez, a experiência de renúncia ou conquista, implica sempre um discernimento pessoal capaz de identificar o que contamina a nossa sede de comunhão (individualismo? Consumismo?...). Para isso, Jesus deixa-nos a sua vida como alimento, a Eucaristia. Neste encontro, a comunhão com Deus e com os irmãos, que faz de nós um só corpo, renova a nossa identidade: somos discípulos missionários, que edificam a Igreja e transformam o mundo.
Estas duas frases de Jesus convidam à urgência da redescoberta a fé, como dom de Deus, visível em opções que façam da nossa história uma vida nova (2Rom 6, 3-4.8-11). Concretamente, e aproximando-se o tempo de encerrar este ano pastoral único e começar a preparar o início de um novo, ainda incerto, a conversão pessoal e comunitária é ainda mais necessária. Assumida como uma consequência natural na nossa vida, verificar-se-á como um dinamismo que pede discernimento e que pode ser identificada através dos seguintes sinais:
1. Unidade: as nossas diferenças resultam da participação no mesmo batismo e não da soma de diferentes que se unem pelos mesmos motivos;
2. Continuidade: cada tempo e cada surpresa não implica um corte com o passado, mas uma incarnação que revele a presença permanente de Deus comunhão;
3. Entendimento: a nossa presença não só revela quem somos como permite gerar diálogo, especialmente com quem ainda não fez a experiência do encontro com Cristo;
4. Racionalidade: a atenção aos sinais dos tempos implica uma formação permanente que seja capaz de iluminar a mente e aquecer o coração;
5. Profecia: as nossas palavras e gestos não se limitam a dar resposta ao imediato ou presente, mas antecipam o que há-de vir;
6. Memória: o passado é história viva que gera novos processos, dinâmicas e une gerações;
7. Perenidade: a conversão tem sempre presente que a vida é uma experiência do céu que fazemos já na terra, mas que um dia viveremos plenamente.
No dia em que a Igreja faz memória de Santo Ireneu e se prepara para celebrar a solenidade de S. Pedro e S. Paulo, possam os seus exemplos nos iluminar no caminho da conversão e da felicidade.
Pe. Pedro, CM