Tudo o que é amável*
Em distintos aspetos da vida dos indivíduos e das comunidades, ser visível, dar visibilidade, tornar-se visível, são processos com uma dimensão curativa e apaziguadora.
Olhar os outros, reconhecer o seu sofrimento e as suas necessidades, mas também partilhar os seus sonhos e aspirações é uma forma de amor. Esse amor fraterno, eficaz, universal, “que promove as pessoas” (FT 106) que é a irrecusável proposta do Papa Francisco.
Inês Espada Vieira
20 de janeiro de 2021
No magazine semanal de Fernando Alves, na rádio TSF, A espantosa realidade das coisas, uma das comentadoras permanentes, a investigadora em Ciências da Comunicação, Rita Figueiras (o outro interlocutor é o sociólogo Paulo Pedroso), disse: “a visibilidade é reparadora” (programa de dia 13-12-2020). O diálogo era sobre a memória coletiva e arte pública, mas a afirmação é verdadeira para diferentes contextos. A visibilidade é um sinal de reconhecimento, de existência, de representação. Em distintos aspetos da vida dos indivíduos e das comunidades, ser visível, dar visibilidade, tornar-se visível, são processos com uma dimensão curativa e apaziguadora.
Olhar os outros, reconhecer o seu sofrimento e as suas necessidades, mas também partilhar os seus sonhos e aspirações é uma forma de amor. Esse amor fraterno, eficaz, universal, “que promove as pessoas” (FT 106) que é a irrecusável proposta do Papa Francisco.
Janeiro é habitualmente “o mês mais longo do ano”, sem uma festa especial, sem um feriado. Este ano em particular, chegamos a ele saturados. Cansados do esforço de resistir ao desânimo, de ressurgir do pessimismo, de nos reerguermos dos dias de desalento. Todavia, há uma esperança inerente a todos os começos, um sopro de confiança que nos acaricia ou empurra. Neste ano de 2021, que esta esperança seja a respiração reconfortante dos dias.
Mas também que o cansaço que sentimos não se transforme em confronto, em perturbação das nossas relações, que o amor sobressaia como guia de muitos dias, de 12 meses, de 70x7 anos…
Na morte do filósofo Eduardo Lourenço (1923-2020), Gonçalo M. Tavares escreveu sobre ele no Expresso um dos mais delicados textos: "A gentileza é uma forma de andar pelo meio dos vivos e dos móveis pesados que existem no meio deles, como quem contorna obstáculos e até os endireita se estes, por acaso, estiverem inclinados demais ou ligeiramente desequilibrados."
Ao ler estas palavras lembrei-me de outras de Paulo aos Filipenses: “Que a vossa bondade seja conhecida por todos” (Fp 4,5). A carta segue: “De resto, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é respeitável, tudo o que possa ser virtude e mereça louvor, tende isso em mente” (Fp 4,8).
Copio estas palavras de um escritor sobre um homem e junto-as às do Apóstolo, faço-o para as ler, para as ouvir em diálogo e para as partilhar convosco, como um apelo do bem e do bondoso, sem tempo e sem lugar. A gentileza, a delicadeza, a cortesia são expressões do amor, que permanecem e se destacam no rigor dos dias. São uma forma de olhar e dar visibilidade aos outros, gestos balsâmicos que reparam brechas e curam feridas.
Tende em mente tudo o que é amável. Amável é o que é gentil e o que é digno de ser amado. Que esta palavra que nos beija, como nos versos de Alexandre O’Neill, sirva de mote para o ano que agora se abre.
* Artigo publicado inicialmente em Mensageiro de Santo António (www.santoantonio.live)