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Educação Moral e Religiosa - viver sempre um "novo normal" (I)

Perante todas estas dificuldades verifica-se um silêncio generalizado sobre este assunto. E porquê? Porque se criou a ideia (errada) de que a EMR é um privilégio da Igreja Católica e, como privilégio de uma confissão religiosa, torna-se um assunto em que a comunidade política, civil e até eclesial se demite.

Ricardo Cunha
05 de outubro de 2020

Depois de seis meses sem alunos nas escolas voltou o ensino presencial. Um novo normal com muitas mudanças, onde o rosto de cada um deixou de ser a primeira interpelação de relação interpessoal e o medo tomou conta dos nossos dias. A comunicação entre alunos e professores, nos seus mais variados modos, ficou mais difícil e desumana. As escolas estão mais frias, apesar das agradáveis temperaturas amenas que se sentiram no início deste ano letivo. Menos amenas andam as discussões em torno da Educação para a Cidadania, que não pretendo de todo aqui desenvolver. No meio destas discussões, aqui e acolá, há referências e comparações com a Educação Moral e Religiosa, com a tónica sempre colocada na confissão Católica, face à sua maior expressão. Há, no entanto, um assunto que os media, cronistas e até comentadores políticos não têm abordado: as dificuldades com que a Educação Moral e Religiosa (EMR) se depara neste ano letivo, que vão desde o processo pouco claro e simplificado de matrícula, à constituição de turmas e horários.

Comecemos pelas matrículas, num ano em que se tentou que fossem totalmente online, procedimento a manter-se no futuro. O encarregado de educação ou o aluno maior de 16 anos ao expressar a sua vontade de frequência em EMR tinha um conjunto de procedimentos acrescidos e, diga-se por passagem, dificultados. A respetiva confissão religiosa teria de ser indicada posteriormente, e não online como os restantes procedimentos. Algumas escolas, preocupadas com eventuais problemas de comprovação da informação via telefone/e-mail, até exigiram a manifestação da confissão religiosa de forma presencial. Ora, como é fácil de prever, estes procedimentos adicionais pedidos às famílias traduziram-se numa diminuição bem visível das inscrições em EMR. Ultrapassada esta fase outro problema se levantou. A constituição de turmas ficou mais difícil, porque juntando alunos de várias turmas, na lógica “turma-bolha” criada pelo Ministério da Educação como medida preventiva de contágio pela COVID 19, criava dificuldades em algumas escolas que têm horários desfasados entre turmas. Não querendo de todo, juntar alunos de várias turmas, a opção de algumas escolas pareceu ser fácil: não criar turma de EMR para esses alunos que, apesar de inscritos, viram a sua opção esquecida. Repare-se que este procedimento não se verificou noutras disciplinas de opção que juntam alunos de várias turmas, como por exemplo o Espanhol/Francês ou nas muitas disciplinas opcionais do ensino secundário. Mais uma vez, um procedimento que diminuiu a expressão da EMR nas Escolas. Por último, os horários que já eram um foco dissuasor de inscrição em EMR, em contexto de pandemia piorou, já que aumentaram os casos de aula de EMR às 8h30 com a aula seguinte depois das 13h30 e vice-versa. Escusado será dizer o que está a acontecer, uma debandada de pedidos de anulação de matrícula, invocando até no caso do ensino básico mudança de religião.

Perante todas estas dificuldades verifica-se um silêncio generalizado sobre este assunto. E porquê? Porque se criou a ideia (errada) de que a EMR é um privilégio da Igreja Católica e, como privilégio de uma confissão religiosa, torna-se um assunto em que a comunidade política, civil e até eclesial se demite. Ora isto não poderia estar mais errado. Não faltam documentos estruturantes no direito internacional que salvaguardam o direito dos pais escolher o tipo de educação que pretendem para os seus filhos. Exemplo disso é o artigo 14º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia onde está patente “o direito dos pais de assegurarem a educação e o ensino dos filhos de acordo com a suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas” ou o artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos Humanos onde se pode ler que “Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos”. É esta a ordem de pensamento que acabou por verter na Constituição da República Portuguesa, que ressalva o dever do Estado cooperar com os pais na educação dos filhos, no respeito pela liberdade religiosa, que pode ser entendida em duas perspetivas: o direito das confissões religiosas ensinarem os seus princípios orientadores de ordem moral e religiosa; e o direito dos pais escolherem o tipo de educação que pretendem para os seus filhos, podendo requerer a formação religiosa, com vista à educação integral dos seus educandos.

É exatamente a partir destes pressupostos que a Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português salvaguarda a presença da Educação Moral e Religiosa, neste caso, a Católica, pelo que não é a concordata que impõe a EMR nas escolas, mas é mais um, e não exclusivo, diploma legal de proteção do direito das famílias acederem a uma instrução religiosa de qualidade, qualificada e qualificadora, sem encargos acrescidos para as famílias e enquadrada na sua cosmovisão e crença religiosa e, como defende Régis Debray, numa aproximação racional das religiões como factos de civilização, distinguindo o religioso como "objeto de cultura" do "religioso como objeto de culto".

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