25 de janeiro: "o primeiro sermão da Missão"
Numa bela homilia proferida em Santa Marta, no dia 7 de junho de 2018, o Papa Francisco afirmava: “a memória cristã é o sal da vida, voltar atrás para ir para a frente: devemos contemplar os primeiros momentos nos quais encontramos Jesus”. Comentando esta afirmação, diz que lembrar-se de Jesus significa ter o “olhar fixo no Senhor” e que a memória não é apenas um «ir atrás». É, antes, um «ir atrás para ir para a frente», pois memória e esperança caminham juntas e complementam-se: “o Senhor da memória é também o Senhor da esperança”.
No dia 25 de janeiro, a Congregação da Missão (Padres Vicentinos) faz memória do início da “Missão” e nós, padres vicentinos em Portugal, escolhemos este dia para comemorar o dia da Província Portuguesa da Congregação da Missão (PPCM). Desde 1655 que a Congregação celebra o dia 25 de janeiro como o dia do “primeiro sermão da Missão”, acontecimento fundante mencionado por São Vicente por duas ocasiões nos seus escritos: a repetição da oração de 25 de janeiro de 1655 e a conferência de 17 de maio de 1658 sobre Folleville. Foi lá, em Folleville, que São Vicente pregou um famoso sermão sobre a confissão geral, em 1617, e que arrastou os camponeses daquelas terras até ao confessionário. A sementeira foi boa e a colheita muito abundante.
Recordamos aqui as palavras de São Vicente ao evocar este acontecimento:
1. Da conferência de 17 de maio de 1658 sobre Folleville
“Um dia chamaram-me para ir confessar um pobre homem gravemente doente, que tinha fama de ser o melhor indivíduo ou, pelo menos, um dos melhores da sua aldeia. Mas acontece que estava carregado de pecados, que nunca ousou dizer na confissão, como ele mesmo declarou publicamente um pouco mais tarde, na presença da falecida esposa do general das galés, dizendo-lhe: «Senhora, eu estava condenado, se não tivesse feito uma confissão geral, por causa de alguns pecados gravíssimos que nunca ousei confessar” (…) “Aquele homem morreu, e aquela senhora, dando-se conta da necessidade de confissões gerais, quis que a pregação do dia seguinte fosse sobre aquele tema. Assim fiz, e Deus concedeu a sua bênção de tal forma que todos os habitantes do lugar fizeram uma confissão geral, e com tal urgência que foi necessário chamar dois padres jesuítas para me ajudarem a confessar, a pregar e a fazer catequese” (Obras de San Vicente de Paúl, Tomo XI, págs. 326-327).
2. Da repetição da oração de 25 de janeiro de 1655
“Foi esta graça que teve este efeito salutar no coração daquele aldeão, quando confessou publicamente, e na presença da esposa do general, de quem era vassalo, as suas confissões sacrílegas e os enormes pecados da sua vida passada; então aquela virtuosa senhora, cheia de admiração, disse ao padre Vicente: «O que é que acabámos de ouvir? Deve acontecer o mesmo, sem dúvida, com a maioria destas pessoas. Se este homem, que tinha a fama de ser um homem bom, estava em estado de condenação, o que acontecerá com os outros que vivem tão mal? Oh, Padre Vicente, quantas almas se perdem! O que é que podemos fazer?» "Foi em janeiro de 1617 que isto aconteceu” (…)
“No dia da conversão de São Paulo, que é o dia 25, esta senhora pediu-me, disse o padre Vicente, que fizesse um sermão na igreja de Folleville para exortar os seus habitantes à confissão geral. Assim fiz: falei-lhes da sua importância e utilidade, e, depois, ensinei-lhes como a fazer devidamente. E Deus teve tanto apreço pela confiança e boa fé daquela senhora (pois a grande quantidade e gravidade dos meus pecados teriam impedido o fruto daquela ação), que abençoou as minhas palavras e todas aquelas pessoas foram tão tocadas por Deus que vieram para fazer a sua confissão geral. Continuei a instruí-las e preparando-as para os sacramentos e comecei a ouvi-las de confissão. Mas foram tantos os que vieram que, sem poder atendê-los com outro padre que me ajudava, a esposa do general pediu aos padres jesuítas de Amiens que viessem ajudar-nos; escreveu ao Padre Reitor, que veio pessoalmente, e como não pôde ficar muito tempo, mandou para ocupar o seu lugar o Reverendo Padre Fourché, da sua própria Companhia, para nos ajudar a confessar, pregar e catequizar, encontrando, graças a Deus, muito que fazer. Fomos de imediato para as outras aldeias que pertenciam àquela senhora naqueles arredores e aconteceu-nos como na primeira. Reuniam-se grandes multidões, e Deus concedeu-nos a sua bênção em todos os lugares. Esse foi o primeiro sermão da Missão e o êxito que Deus lhe deu no dia da conversão de São Paulo: Deus fez isto não sem os seus desígnios naquele dia» (Obras de San Vicente de Paúl, Tomo XI, págs. 699-700).
Esta é a “memória” que a Congregação da Missão “comemora” neste dia. Esta é a memória que São Vicente evocava para tornar presente aos seus seguidores a origem da «Missão», o encontro com Cristo na «pobre gente do campo que se condena». Como diz o Papa Francisco, a memória caminha de mãos dadas com a esperança, é «um voltar atrás para ir para a frente». Por isso, no final da citada homilia, lança um desafio: “que cada um de nós tome um minuto do seu tempo para perguntar a si mesmo como está a memória dos momentos nos quais encontrou o Senhor… E, depois, como vai a nossa esperança naquilo que esperamos?”
Diria que nesta data celebrativa este desafio é para todos nós que vivemos mais profundamente o carisma vicentino. Recordar é viver, como costumamos dizer. “Rezemos” este dia porque rezar é fazer memória e fazer memória sobre a nossa vida e a nossa espiritualidade é dar glória a Deus. Que o Senhor Jesus, evangelizador dos pobres, nos ajude neste trabalho de memória e de esperança!