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«SOMOS TODOS CAPITÃES»

O 25 de Abril e a Democracia Portuguesa

50 anos de liberdade e democracia

Abril deu-nos a liberdade. De pensamento, de expressão, de gosto e de opinião. Mas hoje, em muitos assuntos, abstemo-nos de emitir a nossa opinião ou de defender os valores em que acreditamos, com receio do “linchamento” de imagem e de caráter a que ficamos sujeitos.

50 anos de liberdade e democracia

Carla Rodrigues

Nesta efeméride temos vindo a assistir a muitos trabalhos, estudos, reportagens sobre as conquistas de abril e sobre a evolução da nossa sociedade.

É inegável esse avanço. Em abril de 1974 Portugal tinha a mais alta taxa de mortalidade infantil da Europa, um em cada quatro habitantes era analfabeto, não havia eleições livres e democráticas, as mulheres tinham de pedir autorização aos maridos para viajarem ou para abrirem uma conta bancária e não podiam aceder a determinadas carreiras como por exemplo a magistratura, a maioria das casas não tinha água canalizada, nem eletricidade, nem casa de banho, havia fome, frio, doenças, violência em casa e na escola, havia medo, silêncio e escuridão.

É claro que 50 anos depois, esta realidade é diferente. A sociedade evoluiu, a economia mudou e cresceu, o mercado de trabalho transformou-se, as mentalidades evoluíram, uma nova Constituição consagrou novos direitos, Portugal entrou na CEE e o país transfigurou-se. Passaram 50 anos e muitas destas transformações seriam inevitáveis, mas é certo que a revolução de abril acelerou o processo, abriu o país ao mundo e permitiu-nos ser donos do nosso destino e decidir o nosso futuro em liberdade.

Mas, quanto mais nos afastamos dessa data histórica, mais esbatidos ficam os valores da liberdade e da democracia.

Um exemplo do esbatimento destes valores foi o que aconteceu durante a pandemia. Abdicamos completamente da nossa liberdade física e de pensamento, fomos tolhidos pelo medo e obedecemos cegamente às imposições pouco democráticas de governos, autarquias, peritos… Nos dias que se seguiram ao 25 de abril de 1974 seria impensável alguém nos proibir de sair de casa, de ir à escola, de ir trabalhar, de passar o Natal com a família… Direitos fundamentais consagrados na nossa Constituição que foram violados ostensivamente com o nosso consentimento.

Outro exemplo do esbatimento dos valores de abril foi o que recentemente aconteceu com um grupo de cidadãos que resolveu escrever um livro sobre a família e livremente expressar as suas visões. Podemos concordar ou discordar destas visões, mas em liberdade podem ser expressas e divulgadas. O que assistimos após o lançamento deste livro, foi muito pouco digno de abril. As pessoas envolvidas no projeto foram insultadas e humilhadas em praça pública, viram o seu bom nome e imagem questionados e foram alvo de palavras de ódio e indignação. Só faltou a fogueira no Terreiro do Paço para queimar o livro “herege”. Estas manifestações públicas tão exacerbadas inibem as pessoas de exprimirem a sua opinião, sob pena de poderem ser “cancelados”. É uma nova modalidade de censura.

Abril deu-nos a liberdade. De pensamento, de expressão, de gosto e de opinião. Mas hoje, em muitos assuntos, abstemo-nos de emitir a nossa opinião ou de defender os valores em que acreditamos, com receio do “linchamento” de imagem e de caráter a que ficamos sujeitos.

Outro exemplo do esbatimento destes valores foi o que aconteceu nas últimas eleições legislativas. O povo votou em eleições livres e democráticas e escolheu os seus representantes na Assembleia da República. Podemos não gostar dos resultados, mas temos de os respeitar e aceitar. Em democracia, a soberania reside no povo. Mas o que se seguiu, demonstra claramente que o valor da democracia não é um valor absoluto. Depende das nossas preferências, das simpatias e do posicionamento. A instalação do Parlamento ou a tomada de posse do Governo que emanou destas eleições, suscitaram comportamentos com laivos antidemocráticos indignos da revolução de abril.

Hoje, basta ligarmos a televisão para assistirmos ao aumento da intolerância, ao crescimento dos extremismos, ao recrudescimento de novas censuras, novas ditaduras do pensamento e da linguagem.

Podia continuar com exemplos, mas creio que deixo claro o que me perturba. A liberdade é liberdade mesmo que alguém não goste do que fazemos com ela. A democracia é democracia mesmo que discordemos da vontade da maioria.

O respeito pelos outros, pelos seus direitos e dignidade e o respeito por nós mesmos, são os únicos limites.

Por isso aos valores que abril nos trouxe da liberdade e da democracia, eu acrescento o valor do respeito. O respeito pela opinião dos outros mesmo que seja diferente da minha, o respeito pela liberdade dos outros mesmo quando não gosto do que fazem com ela, o respeito pela escolha democrática dos outros mesmo quando discordo dessa escolha. O respeito livre e democrático.

Cumpra-se abril!

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