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de mãos dadas

A Ir. Thea e os herdeiros de S. Vicente de Paulo

26 de Setembro de 2020, por NÉLIO PITA
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Era simplesmente uma mulher de causas. E há causas que merecem uma vida inteira. Sugam-na até ao fim. Podem ser as mesmas para uma multidão, mas apenas alguns se comprometem a sério, como quem encara o touro nos olhos. Os limites das circunstâncias são como duas mãos fortes que espremem, até à última gota, a vitalidade de uma existência. Só depois, por vezes muito mais tarde, são reconhecidas com os traços da imortalidade. «Como foi possível», dirão alguns, «que as pessoas não lutassem pela mesma causa?». São uma espécie de místicos capazes de escrever a história da salvação entrelaçando-a com as estórias de povos, narrativas por vezes grandiosas, mas pequenas quando comparadas com aquela epopeia, tantas vezes escrita na solidão, singular e inesperada. 

 

Foi assim com S. Vicente de Paulo no séc. XVII. Ele fez dos pobres a causa única e exclusiva para o agir diário. Fundou instituições, mobilizou poderosos, preparou o clero, recolheu, aqui e ali, recursos diversos para os depositar nas mãos vazias dos pobres. Hoje a sua marca continua a inspirar milhões de pessoas para a causa do bem comum. 

 

Ela não foi oficialmente vicentina, mas o espírito é o mesmo. A neta de escravos nasceu em dezembro de 1937 no seio de uma família metodista, no Mississippi, EUA. Bertha Bowman cresceu num ambiente diferenciado, filha de um médico e de uma mãe educadora. Batizou-se aos 9 anos motivada pelo testemunho das irmãs franciscanas, suas professoras. Desde então, como uma das poucas mulheres negras, participava nas celebrações sentada nos últimos bancos de uma igreja inserida numa sociedade com fortes tensões raciais. Mesmo assim, ela não se deixou amargurar como a mãe lhe ensinara: «tu não podes odiar, se odiares tornas-te igual às pessoas que te odeiam». Generosa, próxima dos pobres, dotada de uma capacidade de cantar como os profissionais de palcos famosos, aos 15 anos, decide abraçar a vocação à vida consagrada e ingressa na ordem franciscana. Quando os pais se opuseram, ele não hesita em fazer uma greve de fome… até eles cederem. 

 

«A aspirante negra» formou-se com distinção e fez o doutoramento em estudos ingleses. Tornou-se uma das porta-vozes da comunidade marginalizada e pobre, a afro-americana. A Ir. Thea tornou-se um ícone de uma Igreja plural e inclusiva. Lecionou, escreveu hinos, publicou estudos, viajou pela América e deu voz à comunidade oprimida. Ela tinha a capacidade de contagiar grandes auditórios com sua eloquência e entusiasmo, com a sua voz melodiosa e liberdade de pensamento. 

 

Poucos meses antes de morrer, com 52 anos, foi convidada para falar à conferência episcopal norte-americana. Era a primeira vez que uma mulher negra se dirigia a um público tão ilustre. Diante do episcopado, apresenta a sua causa e pede à Igreja, ali representada, que a assuma para si. Era, de novo, a causa dos pobres, em especial a dos descendentes de escravos, aqueles que continuavam a ser silenciados, mesmo em espaços religiosos, só por causa da cor da pele. Por isso, na sua alocução lembra que ser negro e católico é ser depositário de um património único que continuamente enriquece a Igreja, património esse que remonta ao Evangelho e se estende na tradição secular de uma cultura singular que não pode ser desvalorizada. De cadeira de rodas, debilitada pela doença, põe toda a assembleia episcopal a cantar “We shall overcome”. 

 

Em breve, no mês de novembro deste ano, o nome da Ir. Thea Bowman voltará a ser escutado pelo episcopado norte-americano que decidirá a abertura do seu processo de canonização. Ela é um exemplo para todos nós, em especial, para os membros da família vicentina, um convite a colocarmo-nos na pele daqueles que são marginalizados, sem cair na tentação de fazermos apenas «boas obras», expressões de um mero assistencialismo que, com frequência, mantêm o status quo dos que são continuamente preteridos. Ser vicentino hoje é viver apaixonado por uma causa, a mesma que mobilizou S. Vicente e Sta. Luísa, Frederico Ozanam e a Ir. Thea Bowman. 

 

Pe. Nélio Pita, CM

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